Além do inigualável sabor que apresenta in natura, ela comparece, com louvor, em um extenso cardápio que envolve saladas, sopas, linguiças, peixes como o pintado, hambúrguer, bolos, chipa, brownie, geleia, cupcake, mousse, petit gateau e sorvete, cerveja, cachaça e outras bebidas. E ainda marca presença como musa inspiradora em canções, poemas, crônicas e filmes.
Mas, então, o que falta para a guavira estar ainda mais presente na vida dos sul-mato-grossenses e dos brasileiros? A resposta, desta vez, não vem da culinária ou das artes, mas da pesquisa científica, com direito àquele cheirinho bom de shampoo, creme ou sabonete que vai cuidar melhor de seus cabelos e de sua pele.
Sim, de aroma único, a fruta símbolo de Mato Grosso do Sul poderá ganhar nova vida em perfumes e outros itens da indústria de cosméticos.
Um estudo coordenado pela bioquímica Nídia Cristiane Yoshida, no Laboratório de Pesquisa de Produtos Naturais Bioativos (PronaBio) do Instituto de Química da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (UFMS), conseguiu o depósito da primeira patente da aplicação do óleo essencial de guavira (Campomanesia adamantium) em combinação com o hidrolato do mesmo fruto, em composições cosméticas, junto ao Instituto Nacional de Propriedade Intelectual (Inpi).
A pesquisa com a guavira, que tem o apoio da Fundação de Apoio ao Desenvolvimento do Ensino, Ciência e Tecnologia do Estado de Mato Grosso do Sul (Fundect), começou como parte de um estudo mais abrangente que busca novas fragrâncias e bioativos nos frutos do Pantanal e do Cerrado.
Além da guavira, foram selecionados acuri, envira preta e bocaiuva para obtenção de óleos essenciais, óleos fixos e extratos que passam por análises de composição química e avaliação de propriedades biológicas.
Um diferencial do trabalho foi tentar aproveitar resíduos que são subutilizados ou descartados pela indústria de alimentos, como cascas e sementes.
Segundo Nídia Cristiane Yoshida, os resíduos da guavira se sobressaíram porque, além do aroma agradável, o óleo essencial e o extrato obtidos desse material vêm se mostrando ricos também em propriedades antioxidantes, emolientes e em substâncias clareadoras, o que chamou atenção para seu uso em cosméticos.
Foram dois anos de pesquisa para obter um produto viável, com resultados concretos. De cada quilo de cascas e sementes, os pesquisadores conseguiram extrair cerca de 5 mililitros de óleo essencial, que está sendo testado em sabonetes, perfumes, aromatizadores, cremes e produtos capilares.
A equipe também estuda uma forma de utilizar o hidrolato, um subproduto do processo de hidrodestilação, feito com vapor d’água no momento da extração.
Mestre (UFMS) e doutora (USP) em Química, Nídia Cristiane Yoshida ressalta que a patente é uma grande conquista, porque pesquisas científicas envolvem muitos recursos e demandam tempo para a caracterização, os testes e o aprimoramento dos materiais, até que se chegue a um produto final.
“O patenteamento foi uma etapa fundamental por nos permitir registrar todo o processo de produção dos fitocosméticos, além de proteger a invenção, de modo que a comunidade científica envolvida no estudo possa participar das decisões acerca do processo produtivo, caso esses resultados se tornem produtos de prateleira para o consumidor”, reforça a pesquisadora.
Segundo o diretor-científico da Fundect, Nalvo Franco de Almeida Júnior, o projeto incorpora princípios sustentáveis à bioeconomia da nossa região.
“Estabelece um modelo econômico mais justo e robusto, capaz de suprir as demandas atuais sem prejudicar as futuras gerações, o que é essencial para promover o desenvolvimento econômico sustentável. E o depósito de patente não apenas protege os interesses do pesquisador ou da instituição, mas também estimula a inovação, atrai investidores e facilita a transferência de tecnologia”, destaca Almeida Júnior.
A equipe ganhou um reforço importante da química Érica Luiz dos Santos, também doutora na área pela Universidade de São Paulo (USP). Especialista em química de produtos naturais, atuando principalmente nos temas fitoquímica e biossíntese de metabólitos secundários, a pesquisadora somou ao projeto sua experiência na indústria de matéria-prima para cosméticos e ajudou a acelerar o processo de pesquisa.
Há anos estudando compostos bioativos de plantas, Érica Luiz dos Santos destaca a necessidade de conservação do Cerrado.
“O conhecimento dos seus recursos naturais facilitará o processo de valorização e não extinção do bioma. Pesquisas como a nossa podem fornecer ferramentas para o desenvolvimento sustentável da região, por meio da valorização dos frutos nativos e da geração de renda para as populações locais”, reforça a pesquisadora.
Participam também da pesquisa os alunos de iniciação científica Andrielly Cristina Santana, acadêmica de Engenharia Química, Juliana Mendes Franco Siqueira, acadêmica de Farmácia, e Francisco Bitencourt Ottoni, acadêmico de Ciências Biológicas. Os três são estudantes da UFMS e bolsistas da Fundect.
O projeto tem ainda parcerias com envolvidos no cultivo e na comercialização da guavira, como a prof.ª Raquel Pires Campos (UFMS), especialista em cadeias produtivas, a Agência de Desenvolvimento Agrário e Extensão Rural (Agraer), e a marca Cerrado em Pé, que fornece frutos e resíduos de guavira.
Por incentivar a preservação da biodiversidade com inovação e tecnologia, o estudo foi inserido na Rota Rupestre, um programa da UFMS, também fomentado pela Fundect, que visa o fortalecimento cultural, turístico e econômico entre os municípios sul-mato-grossenses do corredor ecológico Cerrado-Pantanal.
A primeira experiência no projeto foi uma oficina de sabonetes com mulheres de Alcinópolis, município onde estão localizados importantes sítios arqueológicos de Mato Grosso do Sul.
O destaque foi o uso de fósseis encontrados na região para dar formas inusitadas aos produtos.Nídia Cristiane Yoshida diz que a participação no projeto vai possibilitar o estudo de diversas plantas nativas da região em busca de novos bioativos.
“A extração racional dos frutos não implica na perda do indivíduo, e o uso de plantas nativas também promove a valorização econômica e cultural de produtos gerados a partir da biodiversidade”, ressalta.
Maristela Cantadori, Comunicação Fundect
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